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O Direito Constitucional em crise

O Direito Constitucional em crise

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1. AS FORÇAS ARMADAS

Dizer-se que as Forças Armadas consignam instituições nacionais é reconhecer-lhes a autonomia jurídica que deriva do seu próprio caráter institucional.

Por outro lado, declará-las como instituições permanentes e regulares significa dizer que elas estão ligadas à própria manutenção do Estado. Enquanto ele existir e durar, as Forças Armadas também perduram.

Hierarquia é o ato de subordinação sancionada e graduada de acordo com os níveis de autoridade. O presidente da República é o grau maior desse escalonamento (artigo 84, XIII, da CF).

Disciplina é o poder legal conferido aos superiores hierárquicos para impor comportamentos e ordens aos seus inferiores, um vinculo de acatamento e respeito.

A disciplina é um corolário de toda organização hierárquica, como disse Miguel Seabra Fagundes (As forças armadas na Constituição, 1955, pág. 23).

De acordo com a Constituição Federal de 1988, as Forças Armadas são integral e plenamente subordinadas ao poder civil, e que seu emprego depende sempre de decisão do Presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em atendimento a pedido dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

Dita o artigo 142 da Constituição Federal:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.


2. A LEI COMPLEMENTAR 97/99

Qual é essa Lei Complementar?

Essa norma é a Lei Complementar 97/99.

Ali, especificamente, no artigo 15, há as condições para tal atuação.

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

I - ao Comandante Supremo, por intermédio do Ministro de Estado da Defesa, no caso de Comandos conjuntos, compostos por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros órgãos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).

II - diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de adestramento, em operações conjuntas, ou por ocasião da participação brasileira em operações de paz; (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).

III - diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de meios de uma única Força.

§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144. da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144. da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins.(Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 6o Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 7o A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16. desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23. da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124. da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar)


3. A SEGURANÇA NACIONAL

Essa atuação se fará em nome da segurança nacional.

Deve-se entender por segurança nacional a preservação da ordem estabelecida pelo Estado Democrático de Direito. Como já preceituava Heleno Cláudio Fragoso, antes mesmo do advento da Constituição Federal, “o Estado cuja segurança se visa tutelar é o Estado democrático” e mais: “quando se fala em crime contra a segurança do Estado, no entanto, pretende-se punir somente as ações que se dirigem contra os interesses políticos da Nação”.

Essa ideia de segurança reside no fato de possuir essa última como “plano de fundo” uma Constituição extremamente preocupada em garantir a proteção e exercício dos direitos, o que, de certa informa, impõe limites às interpretações conferidas aos muitos conceitos jurídicos indeterminados que constam entre seus dispositivos.

4. A GARANTIA DA LEI E DA ORDEM (GLO)

O manual MD 35-G-01 trata de GLO nos seguintes termos:

“atuação coordenada das Forças Armadas e dos Órgãos de Segurança Pública na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, possui caráter excepcional, episódico e temporário. Ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A decisão presidencial para o emprego das Forças Armadas nessa situação poderá ocorrer diretamente por sua própria iniciativa ou por solicitação dos chefes dos outros poderes constitucionais, representados pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados”.

Dos conceitos trazidos pelos manuais militares podemos deduzir que Op GLO:

a) é uma operação militar;

b) é determinada pelo Presidente da República;

c) a decisão de emprego das Forças Armadas em uma Op GLO pode ocorrer por iniciativa do Presidente da república ou a pedido dos representantes máximos dos poderes constitucionais (representados pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados) e dos chefes dos poderes executivos estaduais.

d) seus objetivos são:

- garantir a normalidade da vida cotidiana, preservar pessoas e bens;

- assegurar o funcionamento das Instituições públicas;

- a manutenção e/ou restabelecimento da ordem econômica e social;

e) ocorre em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem;

f) convém ocorrer em um ambiente interagências;

g) deve ser limitado no tempo e no espaço.

A atuação das Forças Armadas pode ocorrer em situações de guerra ou de paz, no exterior ou no interior do seu território de origem. Essa atuação, no entanto, tanto pode ocorrer a título principal, refletindo um dever jurídico imediato, como a título acessório, que surgirá quando constatada a impossibilidade de os órgãos de segurança pública remediarem a situação de injuridicidade que abala o Estado e a sociedade.

São requisitos, pois, para essas operações:

O primeiro requisito para o emprego das Forças Armadas em Op GLO é a determinação formal do Presidente da República, por intermédio de mensagem.

Pode-se concluir que, para a legalidade do emprego do Exército Brasileiro, da Marinha do Brasil ou da Força Aérea Brasileira em Op GLO, é mister a existência da mensagem do Presidente da República que determina formalmente o emprego da tropa.

O segundo requisito para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, consoante a Lei Complementar Nr 97/99, é o esgotamento formal dos órgãos de segurança pública. A Lei exige que o Chefe do Executivo Estadual ou Federal declare formalmente como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes os órgãos de segurança pública de uma dada Unidade da Federação.

O terceiro requisito para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem é a atuação das Forças Armadas de maneira episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado. Episódico é aquilo que acontece de forma eventual, ou inesperada, acidental, fortuita, incidental, ocasional.

Ao empregar a expressão “forma episódica”, a Lei Complementar demonstra que a atuação das Forças Armadas em garantia da lei e da ordem não pode se converter em algo corriqueiro, habitual, contumaz.

O quarto requisito para emprego das Forças Armadas em garantia da lei e da ordem é a transferência, mediante ato formal, do controle operacional dos OSP necessários à missão ao Coordenador das Operações.

Controle operacional é o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais.

V – O ESTADO DE DEFESA E O ESTADO DE SÍTIO

Necessário, outrossim, fazer uma distinção entre as operações de Lei e de Ordem e institutos como o estado de defesa e o estado de sítio.

Há o que chamamos de direito constitucional das crises.

Ali se situam normas que visam à estabilização e à defesa da Constituição contra processos violentos de perturbação da ordem social.

A legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e rege o Estado de exceção.

Os princípios informadores do sistema constitucional das crises, do estado de exceção, foram lembrados por Aricê Moacyr Amaral Santos(O Estado de emergência, 1981, pág. 33) e são o princípio fundante da necessidade e o princípio da temporalidade, cuja incidência "nos sistemas de legalidade especial" determine: a) declaração é condicionada à ocorrência de pressuposto fático; b) os meios de resposta têm sua executoriedade restrita e vinculada a cada anormalidade em particular e, ainda, ao lugar e tempo; c) o poder de fiscalização política dos atos de exceção é de competência do Legislativo; d) o controle judicial a tempore e a posteriori do Judiciário.

Configurará puro golpe de estado, essa atuação de exceção sem que haja a necessidade para a sua configuração. Se não houver atenção à temporalidade, haverá ditadura.

De toda sorte maior a crise se houver o desmoronamento constitucional que se dará com a agressão aos direitos e garantias constitucionais. Dai porque é necessário deter um Executivo sem limites.

Os requisitos para o estado de defesa estão presentes no artigo 136 da Constituição Federal.

Constituem-se pressupostos do estado de defesa:

  1. A existência de grave e iminente instabilidade institucional que ameace a ordem pública ou a paz social;

  2. A manifestação de calamidade de grandes proporções na natureza que atinja a mesma ordem pública ou a paz social.

Os pressupostos formais do estado de defesa são: a) a prévia manifestação dos Conselhos da República e de Defesa Nacional ; b) a decretação pelo Presidente da República, após a audiência desses dois Conselhos(artigo 90, I, 91, § 1º, II e 136); c) a determinação, no decreto do tempo de sua duração, que não poderá ser superior a trinta dias, podendo ser prorrogado apenas uma vez, por igual tempo ou período menor, se persistirem as razões que justificarem a sua decretação; d) especificação das áreas por ela atingidas; e) indicação das medidas coercitivas, dentre as discriminadas no artigo 136, §1º, da CF.

Os efeitos e a execução do estado de defesa estão discriminados no artigo 136, § 1º, da CF:

§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

I - restrições aos direitos de:

a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

b) sigilo de correspondência;

c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

§ 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.

§ 3º Na vigência do estado de defesa:

I - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial;

II - a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;

III - a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;

IV - é vedada a incomunicabilidade do preso.

§ 4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta.

§ 5º Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias.

§ 6º O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa.

§ 7º Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa.

Tem-se o estado de sítio.

As causas do estado de sítio são as situações criticas que indicam a necessidade da instauração da correspondente legalidade de exceção(extraordinária) para fazer frente à anormalidade manifestada.

As causas dessa situação anômala à democracia estão previstas no artigo 137 da Constituição:

O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

A instauração do estado de sítio depende ainda do preenchimento de requisitos formais: a) a audiência do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional; b) autorização por voto da maioria absoluta do Congresso Nacional para a sua decretação em atendimento à solicitação fundamentada do presidente da República; c) decreto do presidente da República.

Essa normatividade extraordinária e excepcional tem uma duração que não poderá ser superior a trinta dias, nem prorrogada de cada vez; as garantias constitucionais ficarão suspensas desde que autorizadas na forma do artigo 139 da Constituição Federal; devem ser editadas normas para reger à sua execução.

Além de todas essas ressalvas, cabe destacar que o chefe de Estado não gozará de total liberdade para tomar qualquer medida contra os cidadãos de seu país. Assim, apenas algumas ações poderão ser tomadas sobre os direitos individuais, tais como: obrigação de permanência em um dado local; detenção em edifícios não destinados a esse fim; restrições a direitos como inviolabilidade da correspondência e outros; suspensão da liberdade de reunião; direito de busca e apreensão, pelo Estado, em domicílios; intervenção de serviços públicos em empresas particulares e a requisição de bens individuais pelo Estado. Tudo isso está definido no Art.139 da CF, que permite, no entanto, medidas mais severas contra os cidadãos em casos de guerra.

Quando o estado de exceção chega ao fim, revogam-se também todos os seus efeitos. Nesse ínterim, o chefe de Estado possuirá ainda o dever de relatar, em mensagem ao Congresso Nacional, todas as medidas tomadas durante o estado de sítio, além de apresentar as justificativas, a relação dos nomes dos indivíduos atingidos e as respectivas restrições adotadas. Tudo isso é garantido em lei para assegurar que abusos de poder não sejam cometidos ou, se cometidos, sejam devidamente investigados e julgados.

Tal como no estado de defesa, o juízo de conveniência da instauração do estado de sítio cabe ao presidente da República quando ocorra um dos pressupostos de fundo que o justificam. Ele tem a faculdade de decretar, ou não, a medida, mas se o fizer terá que observar as normas constitucionais que a regem.

Há controles de ordem legislativo e jurisdicional.

O controle político realiza-se pelo Congresso Nacional em três momentos: a) um controle prévio, porque a decretação do estado de sítio depende de sua prévia autorização; b) um controle concomitante, porque, nos termos do artigo 140 da Constituição, a mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, deverá designar Comissão composta de cinco de seus membros, para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de sitio, como ocorre no estado de defesa; c) sucessivo, pois após cessado o estado de sítio, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo presidente da República em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas.

O controle jurisdicional, como ensinou José Afonso da Silva (obra citada, pág. 642), é amplo em relação aos limites de aplicação das restrições autorizadas. Se os executores ou agentes do estado de sítio cometerem abuso ou excesso durante a sua execução, seus atos ficam sujeitos à correção jurisdicional, quer por via de mandado de segurança, habeas corpus, habeas data ou outro meio e instrumento processual hábil.

A responsabilização se dará por meio do artigo 141 da Constituição Federal.


6. FORÇAS ARMADAS NÃO SÃO PODER MODERADOR

O documento divulgado, no dia 2 de junho do corrente ano, pela OAB destaca que “compreender que as Forças Armadas, inseridas inequivocamente na estrutura do Poder Executivo sob o comando do Presidente da República, poderiam intervir nos Poderes Legislativo e Judiciário para a preservação das competências constitucionais estaria em evidente incompatibilidade com o art. 2o, da Constituição Federal, que dispõe sobre a separação dos poderes. Afinal, com isso, estabelecer-se-ia uma hierarquia implícita entre o Poder Executivo e os demais Poderes quando da existência de conflitos referentes a suas esferas de atribuições”.

A Constituição de 1988 não admite um poder moderador.

“Concluímos pela inexistência do Poder Moderador atribuído às Forças Armadas, bem assim pela inconstitucionalidade da utilização do aparato militar para intervir no exercício independente dos Poderes da República”, afirma o parecer, assinado pelo presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz. O documento também é subscrito pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e por Gustavo Binenbojm, membro da comissão.

Para a OAB, a Constituição não confere às Forças Armadas a “atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constitucionais, mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituição”.

“Não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto”, destaca o parecer.

Ainda se destaca daquele parecer:

“Ao contrário, como muito bem exposto por Seabra Fagundes, com apoio no pensamento de Rui Barbosa, as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supremo, o Presidente da República, que, por sua vez, tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição.3Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade.”

A Constituição imperial dizia no artigo 98: “O Poder Moderador [...] é delegado privativamente ao Imperador [...] para que vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”. Temos uma República julgada incapaz de se autogovernar, sujeita à tutela de um novo Poder Moderador.

Assim, o Poder Moderador e o Poder Executivo eram exercidos pelo Imperador (artigos 101 e 102), cumulação essa que foi muito discutida, como disse Zacarias de Góis e Vasconcelos (Da natureza e limites do poder moderador).

Naquilo que é considerada a melhor obra na matéria, Zacarias de Góis e Vasconcelos afirmavam que a plenitude do governo representativo somente estaria assegurada pela responsabilidade ministerial nos atos do Poder Moderador.

Isso terminou em 1889 com a proclamação da República. Nessa linha a Constituição de 1891 proclamou o sistema dos freios e contrapesos.

A Constituição de 1891 proibia às Forças Armadas de desrespeitar as instituições fulcradas na Constituição.

Tem-se no modelo ditatorial de 1967, com as mudanças outorgadas em 1969, que as Forças Armadas tinham o papel político e policial.

Art. 92: repete 1946, trocando “poderes constitucionais” por “poderes constituídos”.

Sob a égide da Constituição de 1946, revogada em 1967, dizia Miguel Seabra Fagundes:

“As Fôrças Armadas constituem, em todos os Estados, o elemento fundamental da organização coercitiva a serviço do direito. Nelas, na eficiência da sua estrutura e na respeitabilidade que as envolva, repousa a paz social pela afirmação da ordem na órbita interna e do prestígio estatal na sociedade das nações. São, portanto, os garantes materiais da subsistência do Estado e da perfeita realização dos seus fins. Em função da consciência que tenham da sua missão está a tranqülidade interna pela estabilidade das instituições. É em função do seu poderio que se afirmam, nos momentos críticos da vida internacional, o prestígio do Estado e a sua própria soberania.”

Em 1988, com a Constituição democrática tivermos: papel político e policial.

Art. 142: “[como em 1946] organizadas [...] sob a autoridade suprema do PR, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”

Assim devem as Forças Armadas respeitar o sistema dos freios e contrapesos.

Sendo o chefe das forças armadas o chefe da Nação, órgão do Poder Executivo, as Forças Armadas não podem ser longa manus desse poder, mas dos poderes da República.

Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.

Um dos objetivos de Montesquieu era evitar que os governos absolutistas retornassem ao poder. Para isso, em sua obra “O Espírito das leis”, descreve sobre a necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes. No seu pensamento, cada Poder teria uma função específica como prioridade, ainda que pudesse exercer, também, funções dos outros poderes dentro de sua própria administração.

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

Esse sistema dos freios e contrapesos é essencial para a manutenção da ordem constitucional e as Forças Armadas devem ser a eles obedientes.

O que foi exposto acima com relação a GLO e os estados de defesa e de sítio deixam claro, como exposto pela OAB, que “não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto”.

Sendo assim não há porque se falar em possibilidade constitucional de intervenção militar.

Sendo assim qualquer conduta do presidente da República fora desses limites e balizamentos dará pretexto a crime de responsabilidade, o que poderá leva-lo a seu impedimento.


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