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A questão do momento da aquisição da personalidade jurídica

A questão do momento da aquisição da personalidade jurídica

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Antiga controvérsia no âmbito do direito civil diz respeito ao momento da aquisição da personalidade civil. O art. 2º do Código Civil de 2002 não pôs fim à controvérsia ao afirmar que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção.

Uma leitura crítica do artigo supracitado induz o leitor em um primeiro momento a acreditar que o legislador adotou a teoria natalista, mas ao chegar ao final do conteúdo do mesmo artigo, acontece uma reviravolta, parecendo assim que o legislador agora adota um entendimento concepcionista. Existe ainda uma terceira teoria, entre as mais acentuadas, que condiciona a aquisição de direitos ao nascimento com vida.

Se tradicionalmente o assunto não é pacificado entre os doutrinadores, a jurisprudência, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, entretanto, parece caminhar para uma conclusão. Ainda que não abrace abertamente a teoria concepcionista, o STJ tem enfatizado o reconhecimento do nascituro como um titular de direitos civis, com direitos especiais garantidos, inclusive em relação à indenização por danos morais. Certo é que inúmeras leis já asseguram, como mencionado pelo próprio Código Civil, direitos em nome do nascituro, dentre as quais destaca-se a lei de alimentos gravídicos, lei nº 11.804/2008, cujo teor deixa claro que o mens legis é essencialmente assegurar uma dignidade mínima de existência ao nascituro.

Importante ressaltar que o próprio conceito de personalidade jurídica se relaciona com a possibilidade de o ente adquirir direitos e contrair obrigações, ainda que não se trate aqui de uma pessoa natural, munida de atributos que a qualifiquem como ser humano. Nesse sentido que uma corrente doutrinária leciona, por exemplo, que a personalidade de uma pessoa jurídica é uma ficção jurídica. Nesse caso, atribui-se aquele ente, que não constitui uma pessoa humana natural, direitos e obrigações que se comunicam com os direitos e obrigações da vida do homem. Assim é que, diga-se de passagem, uma empresa, por exemplo, possui o direito de imagem e de figurar no polo passivo ou ativo de uma demanda judicial, devidamente representada.

Quanto ao nascituro, valiosa é a distinção proposta pela professora Maria Helena Diniz, segundo a qual a personalidade Civil se divide em personalidade jurídica formal e personalidade jurídica material. A primeira diz respeito somente aos direitos de personalidade (dentre eles a vida, a honra, a imagem…) e a segunda se refere aos direitos patrimoniais e estes sim estariam sujeitos ao nascimento com vida. Assim, a personalidade jurídica formal se adquire na concepção, momento em que o material genético masculino e feminino se unem formando um ser biologicamente distinto e com DNA próprio, classificado taxonomicamente como Homo Sapiens.

Parece ser esta a mais acertada e alinhada ao ordenamento jurídico. E corroborando com essa conclusão é o entendimento da quarta turma do STJ, no informativo de jurisprudência de número 547, julgado do qual se extrai o seguinte fragmento:

“Assim, o ordenamento jurídico como um todo (e não apenas o CC) alinhou-se mais à teoria concepcionista - para a qual a personalidade jurídica se inicia com a concepção, muito embora alguns direitos só possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento, haja vista que o nascituro é pessoa e, portanto, sujeito de direitos - para a construção da situação jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina contemporânea. Além disso, apesar de existir concepção mais restritiva sobre os direitos do nascituro, amparada pelas teorias natalista e da personalidade condicional, atualmente há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante, uma vez que, garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais”.



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